Tradições discursivas em jornais paulistas de 1854 a 1901: Gêneros entre a história da língua e a história dos textos


Scientific Study, 2010

272 Pages


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Conteúdo

1 Introdução: mudança da língua, mudança dos textos

2. Pressupostos Teórico-Metodológicos
2.1 Origens do Modelo de Tradições Discursivas: a Lingüística do Texto segundo Eugenio Coseriu
2.1.1 Os níveis do lingüístico e a linguagem como atividade, conhecimento eproduto
2.1.2 Três tipos de Lingüística do Texto
2.1.3 A autonomia do texto e as tradições textuais
2.2 O Modelo de tradição discursiva
2.2.1 O conceito de tradição discursiva
2.2.2 TD entre repetição e evocação
2.2.3 Gêneros textuais como famílias de texto
2.2.4 Processos de formação de TD
2.2.5 A queda das tradições culturais
2.2.6 O contínuo de proximidade e distância comunicativas
2.2.7 Variação lingüística
2.2.8 Tradições discursivas e conhecimento partilhado: memória coletiva, memória cultural e memória comunicativa

3 Descrição do corpus e da metodologia de análise
3.1 Tradições discursivas e organização de um corpus diacrônico
3.2 Corpus de jornais
3.3 Extensão e organização do corpus
3.4 Reconhecimento das famílias de textos
3.5 Transcrição e digitação dos dados
3.6 Critérios de análise
3.6.1 Dêixis
3.6.2 A dimensão junção segundo Raible (1992)

4 Análise do corpus
4.1 Da carta para o jornal
4.2 A influência do tipo textual “carta do correspondente” na notícia
4.3 A notícia
4.3.1 Variantes de notícia de 1854 a 1901
4.3.2 Regularidades nas notícias de 1854 a 1901
4.3.3 O uso dos pretéritos perfeito e imperfeito como marcas de duas TD nas notícias
4.3.4 Pessoalização e impessoalização como sintomas de TD: uso de nós em contraposição a diferentes estratégias de apagamento do sujeito nas variantes de notícia
4.4 Anúncio publicitário
4.4.1 A São Paulo do século XIX através dos jornais
4.4.2 TD na história do anúncio publicitário
4.4.3 O anúncio publicitário entre as variantes da classe de textos “anúncio”
4.4.4 Tradições e transformações do anúncio publicitário
4.5 Carta do leitor
4.5.1 Identificação das cartas de leitor
4.5.2 Análise da estrutura composicional
4.5.3 Diferentes funções das cartas de leitores
4.5.4 Desenvolvimento temático: narratividade e argumentatividade
4.5.5 A linguagem “virulenta” nas cartas de leitores
4.6 Do espectro de gêneros textuais nos jornais analisados

5 Considerações finais

6 Referências bibliográficas

1 Introdução: mudança da língua, mudança dos textos

Existem diferenças entre a língua de cada geração. Os pais não falam a mesma língua dos filhos, tampouco a mesma língua de seus próprios pais. Algumas pessoas até mesmo se preocupam com o “declínio” da língua portuguesa[1]. Segundo suas percepções, os mais jovens não sabem falar português e a língua portuguesa está se deteriorando. Na verdade, a língua portuguesa não se torna a cada geração menos útil ou funcional. Essa sensação de “declínio” provém de um simples fato: as línguas mudam.

As línguas naturais estão sujeitas à variação: não falamos do mesmo modo, por exemplo, em São Paulo, em Minas Gerais, no Rio Grande do Norte (variação diatópica). Há maneiras de falar mais formais e outras mais informais e populares (variação diastrática). Também não falamos do mesmo modo em uma palestra proferida na universidade e em uma conversa com amigos (variação diafásica). Estudar as mudanças lingüísticas do Português Brasileiro é também estudar a história dessas variações.

Contudo, reside aí um problema: a língua é colocada em funcionamento por meio de textos e gêneros e existe uma ligação entre a variante lingüística utilizada e o texto que concretiza essa variante. Cada gênero textual privilegia a utilização de uma determinada variante lingüística e de determinadas formas lingüísticas. O que vale dizer: a história da língua está ligada à história dos textos e dos gêneros. É por meio dos gêneros textuais que fenômenos lingüísticos são criados, adotados, disseminados, suprimidos, apagados, reabilitados. Essa observação traz uma conseqüência metodológica relevante para a Lingüística Histórica: não se pode estudar a evolução de uma língua a partir de qualquer texto.

Se é verdade que as relações entre variantes lingüísticas e gêneros textuais não podem ser negligenciadas pelos estudos de Lingüística Histórica (um fenômeno pode desaparecer de um determinado gênero e continuar a existir em outro, por exemplo), também é verdade que o conceito de gênero textual encontra na Lingüística Histórica novos impulsos para sua definição. A história dos gêneros coloca novos desafios teórico-metodológicos para a Lingüística Textual. Cabe perguntar: de que ponto de vista podemos considerar a identidade diacrônica de um gênero (por exemplo, a carta do leitor, a notícia e o anúncio publicitário)? Podemos considerar um exemplar de anúncio de jornal do século XIX e um exemplar de anúncio de jornal na atualidade como pertencentes ao mesmo gênero textual? Essas questões tornam claro que é necessário estabelecer um conceito de gênero textual que permita a existência de uma identidade diacrônica, do contrário, não se pode descrever uma história do gênero, muito menos uma história da língua.

A partir das idéias de Eugenio Coseriu, encampadas por Brigitte Schlieben-Lange em sua tese de doutorado, o romanista alemão Peter Koch desenvolveu um modelo teórico que permite estabelecer uma relação entre a história da língua e a história dos textos: o modelo de Tradições Discursivas. A tese central que fundamenta esse modelo é a de que todo texto segue necessariamente duas tradições: a tradição da língua em que foi produzido (no português, no espanhol, no inglês, no alemão, etc.) e a tradição de determinados modelos textuais (estilos, gêneros textuais, fórmulas, entre outros).

Com o Projeto de História do Português Brasileiro, nascido em 1997, a história da língua tem sido cada vez mais investigada em sua ligação com a história dos textos e dos gêneros. A análise diacrônica da constituição de gêneros textuais é hoje objeto de estudo freqüente na Lingüística Histórica no Brasil.

O tema de nosso estudo recai sobre a evolução de gêneros textuais que ocorrem no jornal. O interesse lingüístico-histórico pela análise diacrônica de gêneros textuais do jornal justifica-se, de um lado, por ser o jornal suporte de diversos gêneros textuais e, portanto, objeto de estudo propício ao estudo da história do gênero[2]. Os gêneros jornalísticos representam um recorte do espectro de gêneros da época[3]. Por outro lado, a linguagem jornalística é indicadora e catalisadora de desenvolvimentos culturais e lingüísticos[4].

O presente estudo busca traçar a evolução de gêneros textuais nos jornais Correio Paulistano e A Província de S. Paulo de 1854 a 1901, revelando como determinados gêneros textuais que ocorrem no jornal surgem, desaparecem e/ou se modificam. A análise buscará apresentar um quadro global da evolução lingüístico-textual dos gêneros que ocorrem nesses jornais. Entendemos que nenhum texto existe por si só e que os gêneros textuais que ocorrem no jornal estão funcionalmente interligados[5], isto é, a produção e recepção de um gênero como a notícia está ligada à produção e recepção de outros gêneros como o editorial, a reportagem e a carta do leitor.

Adamzik (2000, 2001, 2002) propõe uma teoria de análise de gêneros textuais que não se restrinja aos aspectos lingüístico-estruturais, mas que se volte à “economia comunicativa” de uma sociedade. O conceito de “economia comunicativa”, postulado por Luckmann (1988) ancora-se no uso e distribuição de gêneros textuais em uma sociedade e orienta-se por questões como: quem produz e lê/ouve quais gêneros textuais, quando, com que freqüência, por que, para que e com que resultados? Knoblauch (2002: 266) define a „economia comunicativa“ de uma sociedade como o conjunto de todos os processos comunivativos em uma sociedade:

[…] all jene kommunikativen Vorgänge, die einen Einfluss auf Bestand und Veränderung einer Gesellschaft ausüben. Er enthält Gattungen ebenso wie bedeutsam gewordene „spontane“ kommunikative Vorgänge, sprachliche wie nonverbale Formen der Kommunikation. Er gliedert sich nach Situationen, Institutionen und Milieus. Der kommunikative Haushalt bildet damit das Herzstück dessen, was als Kultur bezeichnet wird.[6]

Os gêneros que compõem o jornal são um dos módulos dessa economia comunicativa. Por isso, este trabalho tem o fim de identificar os gêneros textuais que constituíam os jornais analisados em cada corte diacrônico. Assim, busca-se dar visibilidade às relações paradigmáticas (por exemplo, do anúncio publicitário do século XIX e do anúncio publicitário do século XX) e sintagmáticas (das relações entre os gêneros que compõem os jornais Correio Paulistano e A Província de S. Paulo nos cortes estudados).

Na análise desse eixo sintagmático, nosso objetivo é caracterizar diferentes cortes diacrônicos segundo os gêneros textuais predominantes nesses jornais. Na análise do eixo paradigmático, buscamos identificar semelhanças e diferenças na constituição dos gêneros textuais notícia, anúncio publicitário e carta do leitor de um ponto de vista diacrônico, explicitando os níveis em que tais semelhanças e diferenças ocorrem e caracterizando as transformações de gêneros textuais do ponto de vista do contínuo entre proximidade e distância comunicativas (Koch & Oesterreicher 1985). Aliaremos a essa análise a discussão das semelhanças entre os modelos textuais identificados em jornais paulistas com modelos textuais da imprensa européia[7]. Nosso objetivo final é discutir as possíveis conseqüências dessas configurações e mudanças para a história do PB.

O corpus é constituído de:

- duas edições do jornal Correio Paulistano de 1854: de 22 de agosto (com 4.769 palavras) e de 5 de setembro (com 4.315 palavras);
- uma edição do jornal Correio Paulistano de 02 de abril de 1875 (com 12.506 palavras) e uma edição do jornal A Província de S. Paulo (com 12.446 palavras);
- uma edição do jornal O Estado de S. Paulo de 20 de janeiro de 1901 (com 29.057 palavras) e uma edição do jornal Correio Paulistano de 8 de junho de 1901 (com 25.633 palavras).

Esse material, que ainda não foi publicado, foi transcrito de acordo com as normas estabelecidas pelo Projeto de História do Português Brasileiro (PHPB) e constitui uma contribuição significativa à elaboração de um corpus diacrônico do PB.

Gostaria de registrar meus agradecimentos a todos que contribuíram para a concretização desse projeto, em especial, à FAPESP, que o financiou durante quatro anos, à supervisora dessa pesquisa Profa. Dra. Maria Lúcia Victório de Oliveira Andrade, a Francielle Monteiro, minha concunhada e companheira de transcrições, aos amigos que estiveram presentes com críticas, sugestões, idéias, perguntas nas diferentes etapas de elaboração da pesquisa: José da Silva Simões, Verena Kewitz, Celso Kobashi, Deise Rui, Steffi Niehoff, Mathias Arden, ao Prof. Dr. Johannes Kabatek (da Universidade de Tübingen), pelas críticas e sugestões, ao Professor Dr. Wulf Oesterreicher (da Universidade de Munique) pelas indagações e sugestões bibliográficas, ao Prof. Dr. Roland Schmiedt-Riese (da Universidade de Eichstätte), pela disposição em discutir este trabalho, pela leitura crítica e pelas idéias interessantes e aos meus familiares que me apoiaram de todos os modos para a realização deste trabalho.

2. Pressupostos Teórico-Metodológicos

A Lingüística Textual, como disciplina, tem suas raízes, em grande parte, na Alemanha nos anos 60, tendo se desenvolvido no Brasil a partir dos trabalhos de Ingedore V. Koch, Luís Antônio Marcuschi, Leonor Lopes Fávero Luís Carlos Travaglia (Koch & Fávero 1983, Koch 1989, Marcuschi 1983, Fávero 1991, Koch & Travaglia 1989, 1990, entre outros).

Na Alemanha, o estudo de gêneros textuais esteve desde o início no centro do interesse da Linguistica Textual, a exemplo de Van Dijk 1980, Beaugrande & Dressler 1981, Heinemann & Viehweger 1991.

O desenvolvimento da Lingüística Textual na Alemanha é comumente dividido em quatro fases que se orientam por paradigmas diferentes (Heinemann 2000a: 9-29, Heinemann 2000b: 523-546; Heinemann & Viehweger 1991; cf. Castilho da Costa 2005: 56-57):

1. fase transfrástica: o texto é concebido como uma combinação ou seqüências lineares de orações (cf. Heinemann 2002).
2. fase comunicativa: Após a abordagem comunicativa (Brinker 1997, entre outros), o texto é definido por meio de aspectos ilocucionais e a situação de comunicação determina o texto.
3. fase cognitiva: desse ponto de vista, o texto corresponde à verbalização de operações e processos cognitivos (Beaugrande & Dressler 1981).
4. fase integrativa: nas abordagens integrativas (Heinemann & Viehweger 1991, por exemplo), o texto é a materialização de gêneros textuais, que, por sua vez, correspondem a conjuntos de exemplares de textos com característica comuns específicas de diversos níveis.

Paralelamente a uma predominância do paradigma funcionalista na Lingüística Textual alemã, cresce também na Romanística o interesse por uma Lingüística Histórica de caráter pragmático: Schrott & Völker (2005: 2) apontam como ensejo para esse trabalho a pesquisa da história da língua falada e a discussão sobre a historicidade dos atos de fala dentro da Lingüística Românica (Schlieben-Lange & Weydt 1979, Schlieben-Lange 1983).

Uma das questões que passam a ocupar os romanistas alemães é a validade das técnicas da Pragmática na Lingüística Histórica: em que medida um modelo como o da Teoria dos Atos de Fala pode ser projetado na diacronia? As dificuldades na identificação de elementos do contexto e a documentação fragmentária do uso da língua em diacronias passadas representam dificuldades metodológicas centrais a serem superadas por essa Pragmática Histórica. Essas questões passam a ser consideradas numa perspectiva da Lingüística Variacional Histórica e motivam a busca de um modelo de análise histórico-pragmático.

O modelo de Coseriu (1988) dos três níveis do lingüístico encontrou, nesse contexto, grande aceitação em função de sua clareza analítica (cf. Schrott & Völker 2005: 2): o falar pode ser concebido em função de regras lingüísticas, extralingüísticas, universais e históricas. Coseriu (1988: 70) considera o falar como uma atividade humana universal, realizada em determinadas situações por falantes individuais como representantes de comunidades lingüísticas com tradições comuns.

Em volume dedicado à Pragmática Histórica, Schrott & Völker revelam (2005: 14) que o referido modelo foi escolhido por Brigitte Schlieben-Lange (1983) em sua monografia “Traditionen des Sprechens” (“Tradições do Falar”) para fundamentar a análise de gêneros textuais históricos. Como também relata Kabatek (2005a: 154), concomitante ao estabelecimento da Lingüística Textual na Alemanha, tentativas de estabelecimento de uma Pragmática Histórica foram iniciadas:

Si por un lado la lingüística de texto comenzó a establecerse como disciplina propia, por el otro comenzó a haber tentativas de combinar los resultados de esa nueva rama de la lingüística con otras cuestiones, particularmente la lingüística variacional y la pragmática. En el año 1983, Brigitte Schlieben-Lange, después de sus estudios con Eugenio Coseriu en Tübingen y combinando diferentes aspectos de la sociolingüística y de la pragmática con la teoría de Coseriu, presentó la propuesta de una Pragmática histórica en un libro que relacionaba la discusión sobre oralidade y escrituralidad[8] con una visión histórica y ofreció asimismo el fundamento para lo que posteriormente se llamaria el estudio de las TD.

O projeto de uma Pragmática Histórica ganha, então, um novo impulso: o modelo proposto por Coseriu tem uma nova interpretação sugerida por Peter Koch (juntamente com Oesterreicher, 1990). A partir dessa nova interpretação surge o modelo de Tradições Discursivas, com diversas implicações para o estudo da história da língua e da história dos textos. Esse modelo será o tema deste capítulo.

2.1 Origens do Modelo de Tradições Discursivas: a Lingüística do Texto segundo Eugenio Coseriu

O Modelo de Tradições Discursivas tem suas raízes na obra de Coseriu, lingüista romeno e professor da Universidade de Tübingen (Alemanha) de 1963 a 2002. Uma de suas obras mais famosas, sua Textlinguistik (“Lingüística de Texto”) foi publicada somente em 1980, mas a maior parte dos conceitos da lingüística textual coseriana já se conheciam desde os anos 50 em espanhol (cf. Lamas 2007: 25).

Entre esses conceitos, duas distinções podem ser apontadas como as mais importantes contribuições da obra de Coseriu: a distinção entre os níveis de linguagem (universal, histórico e individual) e a distinção da linguagem como atividade, como conhecimento e como produto.

2.1.1 Os níveis do lingüístico e a linguagem como atividade, conhecimento e produto

Relacionando as duas distinções propostas por Coseriu, podemos entender o falar como uma atividade humana universal, realizada em determinadas situações por falantes individuais como representantes de comunidades lingüísticas com tradições comuns. Essa definição de linguagem como atividade universal exercida individualmente seguindo normas históricas implica como parâmetros do falar três níveis do lingüístico a que correspondem três tipos de conhecimento[9]:

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Tabela 1: parâmetros do falar na lingüística de Coseriu segundo Schrott & Völker, 2005: 14

As relações representadas nesse quadro podem ser descritas da seguinte forma: no nível universal do falar situa-se o conhecimento ilocucional, que compreende regras universais do falar que dizem respeito, por exemplo, à semanticidade e à alteridade. No nível histórico das línguas particulares, localiza-se o conhecimento idiomático como conjunto das regras de uma determinada língua. Por fim, o nível individual é o nível em que um indivíduo realiza um discurso em uma situação concreta, orientado por um conhecimento expressivo. Como toda atividade cultural, esses três níveis da competência lingüística podem ser considerados a partir de três pontos de vista: como atividade (energeia), como o conhecimento subjacente a essa atividade (dynamis) e como produto dessa atividade (ergon). O conhecimento idiomático é um conhecimento lingüistico, ao passo que o conhecimento ilocucional e o expressivo não são de natureza lingüistica, contudo eles condicionam a seleção dos meios lingüísticos.

Uma das vantagens dessa concepção de linguagem é o foco que o conceito de energeia coloca na força criativa do falante, que não apenas aplica regras, mas que constrói o novo, tornando possível integrar a inovação à tradição (cf. Schrott & Völker 2005: 14). Esse aspecto da criatividade linguística, cujo lugar é o discurso/texto como ato do falar e do entender localizado no nível individual, constitui o ponto de ligação entre o surgimento de inovações e a manutenção de tradições.

Do ponto de vista universal, todos os textos são caracterizados por cinco traços: semanticidade, alteridade, criatividade, exterioridade e discursividade (cf. Oesterreicher 2003: 46; Coseriu 1980/2007: 170). Essas características universais podem ser resumidas como “a linguagem significa”, “a linguagem é uma atividade criadora” (falar não é só reproduzir; a linguagem desenvolve-se no uso), “a linguagem é para outro(s)” (toda linguagem pressupõe um “eu”, o Origo ou ponto de coordenadas que orienta a comunicação[10] ), “a linguagem se apresenta no mundo como algo físico” (a linguagem pode ser percebida sensorialmente, seja o meio fônico ou gráfico) e “a linguagem se realiza sempre em formas historicamente determinadas”. Oesterreicher (2003: 47) defende a ideia de que a historicidade também seja considerada um traço universal da linguagem, produto da alteridade e da criatividade.

Esses traços universais da linguagem podem ser entendidos pelo que Coseriu determinou como o nível do falar em geral. Oesterreicher (2003: 49) afirma que o falar em geral engloba procedimentos textuais específicos como referenciação, predicação, localização, temporalização, contextualização e finalização. Essas estratégias de verbalização são supra-idiomáticas, quer dizer, reconhecer algo como algo e referi-lo, fazer uma afirmação sobre algo, situar um estado-de-coisas temporalmente, localizar estados-de-coisas e elementos comunicativos, avaliar o significado de um estado-de-coisas e ordená-lo discursivamente. Embora esses procedimentos estejam ligados às condições da situação de comunicação, eles próprios são universais.

Do ponto de vista da ergon (do texto como produto), os textos são considerados testemunhas de uma atividade do falar e do entender do passado, que permitem reconstruir os componentes do conhecimento dos falantes que vai além do texto individual. Isso porque, existem regras e normas discursivas, modelos textuais. Esses modelos (gêneros textuais, gêneros literários, estilos) selecionam determinadas formas lingüísticas (cf. Oesterreicher 2003: 51).

O ponto de vista da dynamis distingue os componentes do conhecimento a que o falante recorre nos atos de falar e de entender. Desse ponto de vista, a Pragmática Histórica busca descrever em que medida mudanças processuais nas técnicas de pedir e de perguntar são devidas à mudança histórica do conhecimento idiomático e/ou do conhecimento expressivo.

O modelo de Coseriu é, assim, um sistema que possibilita a clara diferenciação entre conceitos como historicidade, tradição e universais.

Coseriu estabele para cada grau do saber lingüístico um critério de valoração (cf. 2007: 141):

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Tabela 2: valoração dos graus do saber

Quando corresponde às expectativas no nível universal, considera-se o texto congruente, isto é, trata-se de princípios gerais do pensar, de um conhecimento que não se refere à língua nem à construção de textos/gêneros. Contudo, as regras dos outros níveis podem suspender as regras do nível mais geral. Assim, a expressão “Vi com meus próprios olhos” é incongruente do ponto de vista do saber elocucional, já que não há outra maneira de se ver que não seja com os próprios olhos. Contudo, essa expressão está fixada em uma tradição lingüística. Quer dizer: entre a lógica do saber elocucional e a lógica das regras da língua, é a última que predomina. Outro exemplo apresentado pelo autor é o de suspensão das regras da língua por determinados textos, porque o lingüisticamente incorreto pode ser o adequado para um determinado texto/gênero (cf. 2007: 146).

A distinção dos três níveis do lingüístico está no fundamento da Lingüística do Texto tal como proposta por Coseriu. Em “Determinación y entorno. Dos problemas de una lingüística del hablar”, artigo de 1957, Coseriu lança as bases dessa proposta (vide nota de rodapé 1). Nesse trabalho, Coseriu procurava demilitar os fundamentos de uma lingüística integral, composta pela lingüística do falar em geral, da lingüística das línguas e pela lingüística do texto.

2.1.2 Três tipos de Lingüística do Texto

Para tornar clara sua proposta de Lingüística de Texto, Coseriu apresenta uma crítica de três tendências nos estudos pertencentes à Lingüística do Texto. O autor afirma que há três Linguísticas do Texto, das quais duas apenas são legítimas.

O primeiro tipo de lingüística de texto é denominada por Coseriu “Gramática do Texto” ou “Gramática Transoracional”. Como explica o autor (cf. 2007: 305-307), a lingüística do texto como gramática transoracional é legítima, embora não constitua verdadeiramente uma lingüística do texto, sendo, na verdade, uma ampliação da gramática de uma língua. Coseriu declara que a Gramática Transoracional tem por objeto o texto do ponto de vista específico dos procedimentos idiomáticos (específicos de uma língua particular) que estão orientados à composição do texto (enumerações, elipse, anáfora, caráfora, topicalização, paráfrase, entre outros fenômenos; cf. 2007: 95-111 e 309-338). Trata-se, na Gramática Transoracional, da constituição dos textos em determinadas línguas (cf. 2007: 116), isto é, de sua estruturação idiomática . O teórico sugere que o termo “lingüística do texto” seja usado somente em referência ao segundo tipo de lingüística do texto: o estudo do texto como nível autônomo independente de uma determinada língua. Em outras palavras, a lingüística do texto propriamente dita.

O terceiro tipo de lingüística do texto não é legítima na visão de Coseriu (2007: 117):

Junto a estas dos clases de lingüística del texto que deben considerar-se plenamente legítimas existe una tercera orientación que también pretende ser una lingüística del texto. […] De entrada parece difícil asignar a esta tercera forma de lingüística del texto un objeto próprio, pues ¿qué outro nuevo objeto “texto” podría existir además de los dos que ya han sido deslindados? En rigor, ninguno. Lo que sí hay, sin embargo, es un planteamiento próprio de esta tercera orientación que podría formular-se como sigue: ¿No sería necesario construir toda la lingüística a partir del texto, dado que todo fenómeno lingüístico sólo es realmente observable em textos concretos (em el sentido más amplio de la palabra)?

Coseriu resume esse ponto de vista como uma máxima que prevê que toda lingüística é necessariamente lingüística do texto. Admite que expressar-se linguisticamente significa produzir textos e que o professor de língua não ensina somente uma determinada língua, mas também técnicas de produção de texto. Entretanto, o autor adverte que essa perspectiva de lingüística do texto pressupõe que a capacidade de produzir textos e o conhecimento de uma língua constituem uma competência unitária (2007: 120-121):

Junto a la competência, determinada históricamente, que sirve para expresar-se em español, alemán, inglés, francés, etc., existe también una competencia universal que se corresponde com nuestro nivel de máxima generalidad: por ejemplo, la competencia de hablar com claridad, de hablar coherentemente, etc., todo lo cual no guarda relación com el conocimiento de una determinada lengua; además, em un nivel individual existe una capacidad para producir textos determinados que tampoco depende de los conocimientos lingüísticos em el sentido tradicional: clases de texto como las cartas de amor o los tratados científicos poseen su própria tradición, no coincidente com ninguna tradición del hablar históricamente determinada.

Por isso, é possível que alguém que não fale bem uma determinada língua tenha a habilidade de expressar-se com clareza. Também é possível não dominar perfeitamente uma determinada língua, mas ter a capacidade de produzir bem determinados gêneros textuais. Em outras palavras: embora seja correto que a descrição gramatical de uma determinada língua deva partir de textos (porque, na verdade, não pode haver outro ponto de vista), isso não significa que se possa identificar a função textual com a função idiomática (cf. 2007: 122).

2.1.3 A autonomia do texto e as tradições textuais

Para Coseriu, a lingüística do texto só pode ser fundamentada a partir da noção de que o texto constitui um nível lingüístico autônomo. O autor defende que o texto deva ser considerado autônomo, dado que não se explica completamente no nível do falar em geral, nem no nível das línguas particulares (cf. 2007: 129). Cada um dos três níveis da linguagem (o falar em geral, as línguas particulares e o texto) é caracterizado por Coseriu como autônomo.

A autonomia do nível do falar em geral diz respeito à faculdade universal de falar, que não é determinada historicamente, que todos possuem como falantes. Trata-se de um saber falar que não coincide simplesmente com saber falar alemão, francês, etc., mas que vale para todo o falar.

A autonomia do nível histórico, ou nível das línguas, é considerada por Coseriu como indiscutível. Ninguém pode discutir que as línguas possuem estruturas diversas e gramáticas distintas, um léxico estruturado também de modo distinto, etc.

Quanto à autonomia do texto, o autor apresenta uma série de argumentos que a comprovam . O texto é comprovadamente um nível autônomo do lingüístico pelos seguintes motivos (cf. 2007: 132-139):

a. Normalmente um texto é composto em uma só língua, mas não é necessário que seja sempre assim. Há textos que mesclam mais de uma língua, como o romance “Finnnegans Wake” de James Joyce. Esse romance contém passagens também em italiano e francês, não só em inglês[11].

b. Os textos não são regidos em todo momento pelas regras de uma língua. Os desvios das regras da língua são motivados pela configuração do texto (pelo gênero) e por sua função textual. As omissões que se efetuam em telegramas são desvios das regras da língua que se efetuam de acordo com as regras específicas da tradição de texto. O exemplo abaixo, retirado do relato do escritor romano Luca Caragiale (constituído unicamente por telegramas, mostra que as tradições de texto (como o telegrama) podem motivar desvios da língua até mesmo incomuns:

(1) Petitionat parchetului. Procoror lipseşte oraş mănăstire maici chef. (Íon Luca Caragiale, Telegrame, 1899)

[Queríamos protestar fiscal stop fiscal ausente stop convento de monjas bebedeira]

Coseriu interpreta o telegrama acima do seguinte modo: “queríamos protestar com o fiscal, mas ele estava ausente porque estava embebedando-se em um convento de monjas”. Somente as tradições textuais podem determinar quais os desvios das regras da língua são admissíveis ou inadmissíveis.

c. Diferentemente das línguas particulares, os textos estão condicionados pelo universo de discurso. Uma proposição como “Penélope era a mulher de Ulisses” só pode ser comprovada dentro do universo de discurso a que pertence essa proposição. Coseriu sustenta que as asserções que fazemos sobre a viagem de Ulisses ou sobre Cristóvão Colombo terão sentido completamente distinto dependendo do marco de que se fala: se de mitologia, de ciência ou de literatura.

d. Os textos estão condicionados por situações, dependendo de seu contexto (imediato) para que façam sentido. “Dois de cinqüenta” terá sentidos diferentes se esse enunciado for proferido no balcão do correio (na compra de dois selos no valor de 50 centavos, por exemplo) ou em uma sorveteria (na compra de dois picolés, por exemplo).

e. Por fim, Coseriu considera muito importante, que os textos também têm suas próprias tradições particulares, independentes das línguas. Coseriu fala de “tradições textuais”, em duplo sentido. Em um primeiro sentido, há tradições textuais específicas de cada língua. Por exemplo, a forma do alemão [ Guten Morgen ] pode ser traduzida literalmente como “boa manhã”. Essa forma não existe desse modo no francês, no espanhol ou no português ([ Bom jour ], [ Buen día ], [ Bom dia ]). Portanto, [ Guten Morgen ] e uma tradição textual específica do alemão. Há também tradições textuais supraidiomáticas, isto é, que não estão restritas a uma língua particular. No caso dos textos supraidiomáticos, existe “una configuración tradicional enteramente independiente de la tradición Del hablar según uma técnica transmitida historicamente” (Coseriu 2007: 139).

Para Coseriu, os argumentos enumerados acima comprovam a autonomia dos níveis lingüísticos do falar em geral, das línguas particulares e dos textos. Embora Coseriu entenda que o texto está localizado no nível individual (que é o nível da inovação e da criatividade lingüística), o autor reconhece que os textos não são meramente individuais, mas que têm suas tradições particulares. Em manuscrito de 1957 (“El problema de la corrección idiomática”), Coseriu já expunha a noção de que há uma dimensão histórica dos textos que se manifesta na existência de textos mais ou menos fixados (as tradições textuais ou gêneros) em comunidades lingüísticas (cf. Loureda Lamas 2007: 56).

2.2 O Modelo de tradição discursiva

2.2.1 O conceito de tradição discursiva

O modelo teórico de Coseriu dos três níveis do lingüístico foi escolhido por Brigitte Schlieben-Lange[12] (1983) em sua monografia para fundamentar a análise de gêneros textuais históricos do ponto de vista de uma Pragmática Histórica.

Esse modelo proposto por Coseriu teve uma nova interpretação sugerida por Peter Koch (juntamente com Oesterreicher, 1990).

Como apontado anteriormente, Coseriu considera um nível lingüístico universal (o do falar), um nível histórico (o da língua histórica) e um nível individual (o do texto). Koch situa o conceito de tradição discursiva no nível histórico da linguagem:

Considero indispensável duplificar o modelo de Coseriu no nível histórico. Além das normas, ou melhor dizendo, atravessando as normas e tradições intralingüísticas, encontram-se também tradições textuais ­ ou, como eu as denomino,­ as tradições discursivas ou normas discursivas (Koch 1997:45).[13]

Como proposto por Koch & Oesterreicher (1990), o enunciado pode ser situado como duplamente histórico: de um lado, há a historicidade lingüística do enunciado, dado que as línguas sofrem variação; por outro, há a historicidade textual do enunciado, em que determinadas regularidades estão ligadas a esquemas textuais e não à língua particular.

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Fig. 1: duplicidade histórica do enunciado

Koch postula haver formas comunicativas recorrentes, tradicionais, as quais devem ser diferenciadas das línguas históricas. Em outras palavras: existem formas e fórmulas tradicionais de textos que vão além das fronteiras das línguas históricas. Por isso, Koch sugere a duplificação do modelo de Coseriu no nível histórico: de um lado, estão as línguas históricas (alemão, inglês, francês, russo, etc.); de outro lado, estão tradições de textos ou TD, englobando aspectos relativos aos gêneros textuais (a bula, por exemplo), gêneros literários (o soneto), estilos (o maneirismo), gêneros retóricos (genus demonstrativum, gênero retórico de elogio ou censura, próprio para festas, velórios, enterros), formas conversacionais (talkshow), atos de fala (juramento de fidelidade do vassalo ao suserano), etc.

Também Oesterreicher (cf. 1997:19) defende a idéia de que a atualização de um enunciado nunca é apenas a atualização de uma língua histórica. O discurso é produto da atividade universal do falar no contexto de regras de uma língua histórica específica. Ainda no nível histórico, os discursos realizam, necessariamente, determinados modelos textuais ou esquemas textuais, ou seja, seguem TD. Nessa perspectiva, pode-se diferenciar a análise lingüística em nível individual, em nível histórico e em nível universal.

Koch sugere o seguinte quadro de diferenciação dos níveis da linguagem:

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Tabela 3: diferenciação entre os níveis de linguagem segundo Koch (1997)

Koch afirma que, ao falar, submetemo-nos a três tipos de regras de uma só vez: às regras do falar, às regras da língua que usamos e às regras discursivas. No nível individual é impossível haver regras, por um dado muito simples: uma regra deve ser obedecida por mais de uma pessoa, pois uma só pessoa não faz uma regra.

Ao discutir o status das regras discursivas, Koch apresenta o exemplo de cantigas de amor de quatro línguas medievais diferentes (alto-occitano, alto-francês, médio-alto-alemão e alto-italiano). As quatro canções pertencem à tradição do trovadorismo e apresentam algumas semelhanças: estão organizadas em estrofes que vêm de canções ou de poemas semelhantes a canções e o tema é o amor na perspectiva do trovador. Apesar de serem escritas em línguas diferentes, observam-se semelhanças relativas à TD.

Por isso, Koch defende que os aspectos que estão relacionados às TD podem ser encontrados como marcas fonológicas, morfológicas, sintáticas, lexicais, etc. Com relação às cantigas de amor nas quatro línguas anteriormente citadas, o autor entende que, independentemente da língua, podem ser identificadas palavras que representam, metaforicamente, o conceito de amor do trovadorismo: a amada é a “dona”, “senhora”; seu admirador é o “servidor”; a “graça” de ouvi-lo é a “recompensa” e sua realização é a “alegria”.

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Tabela 4: palavras em cantigas de amor de quatro línguas medievais segundo Koch (1997)

Decisivo aqui, segundo Koch, é que essas metáforas não estão restritas a apenas uma língua. O significado metafórico desses lexemas não está no dicionário das línguas históricas, mas sim na lírica do trovadorismo. O sentido das palavras mencionadas resulta da metáfora de amor, convencionalizada em uma prática de TD. A expansão dessa metáfora em diversas línguas ocorre por meio de canais de TD paralelos às línguas históricas. Isso quer dizer que essas ocorrências não estão ligadas às regras da língua. A diferença entre regras do discurso e regras da língua não provém do formato das unidades lingüísticas por elas organizadas (discurso vs. oração/palavra), mas do seu campo de validade e grupos transportadores. Regras do discurso são transportadas por grupos culturais (agrupamento que vai além das comunidades lingüísticas: grupos de profissões, correntes literárias, movimentos políticos, etc.); regras da língua são carregadas por comunidades lingüísticas.

2.2.2 TD entre repetição e evocação

Kabatek (no prelo, p. 2) afirma que existe um problema de delimitação na questão da relação entre tradição discursiva (TD) e gênero. Na Lingüística Textual Alemã, os conceitos de TD e de gênero textual têm sido vistos como sinônimos. Kabatek (2006a: 512) destaca a estreita relação entre as TD e os gêneros, mas amplia o conceito de TD além do estatuto de gênero. O romanista afirma que TD não se confundem com gêneros textuais e explica (no prelo, p. 3-4):

Com toda a sua força semiótica, o termo das Tradições Discursivas situa-se, pois, como termo fundamental da teoria da linguagem, ante todos os fenômenos concretos, como axioma teórico, com respeito ao qual são posteriores todas as tradições concretas como fenômenos empíricos, além das suas generalizações e tipificações. Isto significa que ele inclui por definição todas as formas concretas de tradição, seja a tradição de uma citação concreta, de uma saudação, a tradição de uma forma como o soneto ou a tradição do artigo científico, inclusive a tradição da introdução a um artigo, a tradição do citar ou do estruturar; finalmente também tradições particulares de grupos ou de instituições como a tradição dos parlamentares conservadores franceses frente a seus adversários progressistas. E nessa amplitude o termo também inclui fenômenos que se referem às formas além das formas tradicionais da gramática de uma língua identificadas como tais pela lingüística repetidamente: formas textuais, tipos textuais, gêneros textuais.

Gêneros textuais enquadram-se, pois, no nível das TD, que é o nível que inclui todos os modelos textuais[15]. O romanista de Tübingen estabelece condições que devem ser preenchidas para a caracterização de uma TD.

Entendemos por Tradição Discursiva (TD) a repetição de um texto ou de uma forma textual ou de uma maneira particular de escrever ou falar que adquire valor de signo próprio (portanto é significável). Pode-se formar em relação a qualquer finalidade de expressão ou qualquer elemento de conteúdo, cuja repetição estabelece uma relação de união entre atualização e tradição; qualquer relação que se pode estabelecer semioticamente entre dois elementos de tradição (atos de enunciação ou elementos referenciais) que evocam uma determinada forma textual ou determinados elementos lingüísticos empregados.

Assim, Kabatek propõe que TD sejam caracterizadas através de três condições: (a) tenham forma lingüística, (b) sejam repetições e (c) estejam ligadas a evocações. Desse modo, um encontro pela rua evoca a saudação, que é realizada pela repetição de um texto. Com o gráfico a seguir, Kabatek demonstra a relação de uma tradição discursiva com a constelação discursiva que evoca (eixo horizontal) e a repetição de uma forma textual (eixo horizontal):

texto1 situação1

texto2 situação2

Fig. 2: TD, evocação e repetição segundo Kabatek (2006a: 511)

O autor afirma que a concomitância de dois fatores definidores de tradição discursiva já é suficiente para completar o quadrado, mesmo com a ausência de um dos quatro elementos acima representados. Assim, o encontro pela rua evoca a saudação, independentemente de a saudação ser pronunciada ou não. Por isso, o silêncio do “não-saudar” adquire significado em relação a uma tradição discursiva evocada: a pessoa não saudada perguntará talvez o que provocou tal silêncio. Segundo essa definição, um texto está diretamente relacionado às condições de sua produção. Tais condições de produção podem adquirir valor simbólico; pois, sendo repetidas, evocam também a repetição de um texto.

Seguindo a proposta de definição da noção de TD de Kabatek, definimos TD como a repetição de um texto ou forma textual ou de uma maneira particular de escrever ou falar que evoca uma determinada constelação discursiva.

Portanto, as TD englobam os gêneros textuais, mas são se restringem a eles. Um exemplo de como isso pode ser analisado é dado por Kabatek (no prelo, p. 9) a respeito do gênero textual editorial. Assim Kabatek afirma que o editorial de jornal dá continuidade, logicamente, à tradição do editorial de jornal. Contudo, o editorial é atravessado e constituído por outras TD que se revelam em seus segmentos textuais. Um exemplo de uma outra tradição que atravessa o gênero, segundo o autor, é a tradição do título e de outras partes da estrutura composicional de um texto. É interessante notar as vastas possibilidades de ligação entre tradições. Kabatek lembra, por exemplo, que existe uma forma tradicional de tratar os temas em um editorial, contudo, o próprio tema evoca outras tradições de tratamento desse conteúdo. Interessante, ainda, é a distinção que Kabatek faz das tradições entre descrição e opinião[16]. E o autor acrescenta (no prelo, p. 9):

[...] finalmente, pode haver tradições diferentes de diversas orientações ideológicas. A lista dos elementos que fazem parte desta rede de tradições e ampliável e teoricamente interminável. O que é fundamental para a teoria das TD é o que chamamos o “princípio da composicionalidade tradicional”: um texto pode corresponder a toda uma série de tradições co-presentes ao mesmo tempo; e a investigação empírica das TD tem a tarefa da identificação dessa rede de tradições”.

Quer dizer: os elementos que formam uma tradição nem sempre se apresentam de modo isolado, mas sim em combinação com outros, e precisamente a combinação de vários elementos pode formar uma tradição discursiva. Tais continuidades e descontinuidades permitem a transformação de TD (cf. Kabatek 2003: 6). Segundo Kabatek (2005a: 161), as possibilidades de transformação de uma TD derivam de seu caráter composicional.

Kabatek (2005a: 162) diferencia entre a composicionalidade paradigmática e a composicionalidade sintagmática das TD. Por composicionalidade paradigmática, entende-se a confluência de referências a diferentes TD em um mesmo fragmento de texto. Assim, um texto pode pertencer a duas TD ao mesmo tempo: à TD “soneto” e à TD “poema de amor”. A composicionalidade sintagmática caracteriza-se pela sucessão de elementos ao longo de um texto, pois muitos textos contêm uma série de textos diferenciáveis, por exemplo, os romances. Sua composicionalidade é o que permite a TD que possa mudar de tal modo ao longo do tempo, que pode até converter-se em uma realidade totalmente diferente da inicial.

Uma TD não é apenas um texto que se repete, adverte Kabatek (2003: 5). Se uma TD corresponde a qualquer elemento significável, tanto formal como de conteúdo, cuja re-evocação estabeleça um laço de união entre atualização e tradição, então pode haver tradição de conteúdo, de forma textual ou de elementos lingüísticos. Todos esses elementos significáveis podem apresentar continuidade e descontinuidade, formando diferentes tipos de TD. No esquema a seguir, Kabatek (2003: 6) apresenta, de maneira simplificada, diferentes tipos de TD:

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Tabela 5: tipos de TD segundo Kabatek (2003: 6)

Um exemplo de transformação de TD é, segundo Kabatek, o Poema de mio Cid, que se transforma de prosa épica em prosa historiográfica (nas crônicas medievais). Transforma-se, assim, o padrão textual, mantendo-se o conteúdo. Segundo Kabatek, pode-se observar, porém, nos casos de transformação elementos da forma textual inicial. Nesse sentido, Kabatek (2005a: 162) amplia o conceito de interferência lingüística, caracterizando uma “interferência textual” ou interferência entre duas TD. Dois tipos de interferência lingüística são discutidos pelo autor: a interferência positiva e interferência negativa. A interferência positiva diz respeito à presença de elementos de uma língua A em um texto da língua B. A interferência negativa consiste na ausência de determinados elementos em um texto da língua B devido à presença da língua A. Esse tipo de interferência produz alterações na freqüência de emprego de certas formas. A interferência negativa pode ser por convergência (preferência por formas comuns às duas línguas, evitando formas diferentes) ou por divergência (preferência por formas diferentes, evitando formas comuns). Kabatek (2005a: 163) considera o conceito de interferência textual relevante para o estudo de transformações de TD, dado que a transformação de uma TD muitas vezes nada mais é que a nova combinação de elementos procedentes de tradições diferentes.

Wilhelm (1996: 13) assinala as diferenças entre a noção de TD e de gênero textual de uma forma simplificadora, estabelecendo pelo menos três graus de complexidade[17]. Em referência a Koch (1987: 31), Wilhelm entende que TD abarcam estilos, gêneros literários, gêneros textuais, universos discursivos e atos de fala e que, portanto, há os seguintes diferentes graus de complexidade de TD[18]: a) universos discursivos: que seriam constelações de TD mais amplas (por exemplo, literatura, ciência, religião); b) gêneros textuais (por exemplo, conversa telefônica, carta privada, etc.) e c) fórmulas/atos de fala cristalizados (“era uma vez”, “declaro para os devidos fins”, etc).

Diskurstraditionen – von dem Sprechakt bis zu dem Diskursuniversum – bilden an kulturelle, wirtschaftliche und sonstige Gruppen gebundene Regelgefüge (“Diskursnormen”). Sie gehören “derselben historischen Ebene an wie die Einzelsprachen”, sind von diesen jedoch “prinzipiell unabhängig” (Koch 1987: 33; Koch: Sprachgeschichte 1988: 343).

(Wilhelm 1996: 496)

(Tradições discursivas – do ato de fala até o universo discursivo – constituem sistemas de regras ligadas a grupos culturais, econômicos e de outras ordens. Elas pertencem ao mesmo nível histórico que as línguas particulares, são, contudo, “em princípio, independentes” (Koch 1987: 33; Koch: Sprachgeschichte 1988: 343)).

Logicamente, esses graus de complexidade estão inter-relacionados, pois todo discurso é exemplar de um gênero textual, apresenta características de um determinado estilo e serve para a realização de determinados atos de fala marcados historicamente (cf. Koch 1998: 14[19] ).

2.2.3 Gêneros textuais como famílias de texto

Assim como apontado por Wilhelm (1996: 1) em relação aos panfletos italianos do período de 1500-1550 que analisa, podemos afirmar que documentos históricos, tais como os jornais, em nosso caso, permitem-nos conhecer os processos de transmissão de informação de sincronias do passado. Esse estudioso identifica nos panfletos do século XVI o encontro de tradições cultas e populares e afirma que esse material revela fragmentos do espectro de gêneros da época e, pela análise das formas lingüísticas que privilegia, manisfesta também o sistema de variedades do italiano na segunda metade do século XVI. É nesse sentido que Wilhelm defende que o estudo da história dos gêneros é o fundamento da pesquisa de processos históricos da língua.

Partindo da tradicional distinção da lingüística textual alemã entre os conceitos de gênero textual (Textsorte) e gênero literário (Gattung), Wilhelm oferece uma revisão desses conceitos (cf. 1996: 3-11). O autor propõe um novo entendimento dos termos, caracterizando o gênero textual (Textsorte) como uma categoria puramente teórica, proposta por linguistas a partir de traços constituintes de uma classe de textos, e assinalando ao termo Gattung a função de caracterizar gêneros históricos (não somente gêneros literários), isto é, qualificando a Gattung como um dado concreto percebido e denominado pelos próprios participantes da comunicação. Dado que o conceito de Gattung como gênero literário e de Textsorte como gênero textual estão fortemente estabelecidos na lingüística textual alemã, a proposta de Wilhelm de uma nova definição desses termos parece-nos trazer pouca vantagem terminológica. Entretanto, o autor apresenta uma revisão crítica do conceito de gênero textual do ponto de vista do aspecto de sua historicidade.

Na Lingüística Textual Alemã, os gêneros textuais (Textsorten) têm sido definidos de um ponto de vista pragmático como modelos construídos historicamente que valem como convenções para ações lingüísticas recorrentes e complexas e que podem ser descritos a partir de aspectos contextuais, funcionais e estruturais[20] (Brinker 1985: 124). Os gêneros são concebidos como fenômenos multi-dimensionais (com um nível formal-gramático, um nível semântico-temático, um nível situacional e um nível funcional; Heinemann & Viehweger 1991; Heinemann 2000: 16) e, portanto, são uma manifestação tanto lingüística, quanto cognitiva e social (cf. Beaugrande 1997: 9). Essa definição é muito próxima da definição proposta por Bakhtin (1953) de gêneros do discurso como tipos relativamente estáveis de enunciados, caracterizados por um conteúdo temático, uma construção composicional e um estilo típicos, que é o entendimento que predomina nos estudos de gênero no Brasil.

Ainda que essa concepção entenda o gênero como um modelo construído historicamente, Wilhelm (1996: 12-13) critica a predominância da consideração dos aspectos pragmático-funcionais e de uma perspectiva sincrônica nos estudos dos gêneros. O autor (1996: 9) alerta para o fato de que não é possível definir os gêneros textuais de um ponto de vista apenas sincrônico-funcional, porque os gêneros constituem-se exatamente pela interação entre função e tradição[21]. O aspecto da historicidade dos gêneros não pode ser reduzido a um elenco de aspectos pragmáticos (lugar e momento da produção, interlocutores, lugar social, etc.) e de suas condições de produção sincrônicas (uma fórmula como “era uma vez”, por exemplo, não pode ser explicada funcionalmente; está ligada a tradições textuais).

O texto abaixo é uma variante freqüente de anúncio de jornal nos dados que reunimos relativos ao ano de 1854:

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Fig. 3: Correio Paulistano, 05 de setembro de 1854.

(1) RUA DO COMMERCIO| N.30.| Chegarão pelo vapor Itambé bilhe-|tes da loteria que dever ter extração| no dia 5 do corrente. Quem quizer| comprar dirija-se a mesma casa.|

Correio Paulistano, 05 de setembro de 1854.

O anúncio acima apresenta alguns traços recorrentes em outros dados desse período[22]: observa-se um desenvolvimento temático predominantemente descritivo e função textual predominantemente referencial. Esses anúncios são caracterizados por informarem sobre nome do produto (em (2), “bilhetes de loteria”), lugar de compra (“Rua do Commercio N. 30”), descrição do produto (“que deve ter extração no dia 5 do corrente”). Em alguns anúncios, também são oferecidas informações sobre o preço e formas de pagamento. A estratégia publicitária aqui explorada reside na informação sobre a existência de um produto. Nos anúncios desse período, não se identifica uma diferenciação do produto. Os produtos anunciados são caracterizados de modo genérico, simplesmente como “bilhetes de loteria”, “pães”, “licores”, “roupas” etc. A fórmula “quem quizer comprar” torna clara a oferta do produto ao co-enunciador. Os anúncios de 1854 em nosso corpus caracterizam-se, em termos de conteúdo, por trazer informações sobre nome do produto, lugar de compra, descrição do produto. Em termos de estrutura composicional, a maior parte desses anúncios possui título que, em geral, destaca o lugar de compra/o estabelecimento onde se pode comprar o produto, seguido das informações descritivas sobre o produto. Uma das características típicas da linguagem utilizada nesses anúncios é o uso de fórmulas de trato com o co-enunciador que remetem em grande parte ao discurso oral dos vendedores ambulantes:

(2) Luiz Cuyabano previne aos seus freguezes desta | capital e assim aos de fora della [...]

Correio Paulistano, 19 de agosto de 1854

(3) Os pobres que soffrerem dôres de | dentes poderão dirigir-se á casa aci-|ma mencionada, que serão curados | gratuitamente [...]

Correio Paulistano, 19 de agosto de 1854

(4) Quem | a pretender dirija-se á tratar com | Maria das Dores

Correio Paulistano, 19 de agosto de 1854

(5) Attenção. | Loja de Alfaiate | Felicissimo José do Rosario e Oli-|veira participa ao respeitavel publico | e em particular aos seus freguezes | [...]

Correio Paulistano, 22 de agosto de 1854

(6) Quem quizer| comprar dirija-se a mesma casa.| [...]

Correio Paulistano, 05 de setembro de 1854

(7) João Ferreira de Quadros & C.ª,| participa ao publico e em parti-|cular ás pessoas de sua amizade| [...]

Correio Paulistano, 05 de setembro de 1854

Em outras variantes de anúncio identificadas em nosso corpus, há modificações nas características típicas identificadas. O anúncio abaixo foi retirado do jornal O Estado de S. Paulo, de 20 de fevereiro de 1901:

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Fig. 4: anúncio de loteria

(8) Unica que vende sortes|| Loteria de S. Paulo|| PREMIO MAIOR|| 10:000$|| POR 3$000|| AMANHAN|| Extracção, quinta-feira, 21 do corrente|| ÁS 3 HORAS DA TARDE|| AS LOTERIAS DE SÃO PAULO devem merecer| a preferencia do publico pelos seguintes motivos:|| Pelo escrupulo e bôa fiscalisação com que são feitas| as suas extracções.|| Por serem vendidas exclusivamente neste Estado.|| Por serem sempre em beneficio de estabelecimentos de| caridade e de instrucção deste Estado.|| Por nunca terem transferido suas extracções, que são| sempre realisadas nos dias marcados.|| Por serem as unicas loterias que sempre informam ao| publico a quem sáem os premios.|| Por serem livres de sello adhesivo, o que importa em| real vantagem para os compradores.|| O publico não deve tambem confundir estas acredita-|das e garantidas loterias com as federaes, das quaes rara-|mente é vendido um premio neste Estado.|| Os pedidos da interior devem ser dirigidos| Thesouraria a Joaquim Pinheiro e Prade, ou a| Dolivaes Nunes & Comp | Rua Direita, 10 – S. Paulo || Acceitam-se agentes no interior do Estado e | offerece-se vantajosa commissão.|| Aviso. - Em 7 de março proximo, extracção da| 43.ª Grande Loteria de S. Paulo. Premio maior 80 con-|tos por 8$000.

A maior parte do anúncio é dedicada à enumeração de argumentos para a compra: são referidas as finalidades caridosas da loteria (“por serem sempre em beneficio de estabelecimentos de| caridade e de instrucção deste Estado”), dão-se algumas garantias (“pelo escrupulo e bôa fiscalisação”; “são| sempre realisadas nos dias marcados”; “sempre informam ao| publico a quem sáem os premios”) e afirma-se a maior probabilidade de sorteio do bilhete e insinua-se a improbidade de outras loterias (“O publico não deve tambem confundir estas acredita-|das e garantidas loterias com as federaes, das quaes rara-|mente é vendido um premio neste Estado”). Em função da enumeração de argumentos, o anúncio é marcado por construções causais. Além da enumeração de argumentos, o caráter apelativo desse anúncio também se realiza por meio do destaque ao valor de prêmios e de bilhetes.

Em (1) e em (8) podemos identificar algumas semelhanças. Esses textos buscam divulgar um produto, no caso, o bilhete de loteria. Em termos de conteúdo, esses textos tratam do mesmo domínio de sentido. Quanto à sua estrutura composicional e ao estilo, detectamos propriedades diferentes: (1) caracteriza-se pelo título que destaca o endereço do estabelecimento comercial e pelo desenvolvimento temático descritivo; (2) assinala o produto em seu título (o objeto de interesse do co-enunciador) e distingue-se de (2) por seu desenvolvimento temático argumentativo.

O gênero une estabilidade e instabilidade – ensina Fiorin (2006: 69). Esse fato é comprovado por nossos exemplos. Se podemos observar que existem propriedades comuns a determinados conjuntos de textos, não podemos negar que essas propriedades alteram-se continuamente. Fiorin (cf. 2006: 64) lembra que Bakhtin acentua o fato de que os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados, isto é, que é preciso considerar a historicidade dos gêneros na imprecisão de suas características e na fluidez de suas fronteiras.

A imprecisão de características de que fala Fiorin torna problemático o estabelecimento de um elenco de critérios fundamentais de definição de um gênero. O gênero é uma categoria fluida, em constante mudança. Por isso, um elenco fixo de características definidoras não pode dar conta da realidade de sua variação.

Wilhelm (1996: 15) defende que os gêneros textuais somente podem ser adequadamente considerados em sua historicidade e variação se concebidos a partir do conceito de identidade diacrônica: um gênero seria definido como uma série ininterrupta de textos semelhantes.

Por isso, dois textos distantes temporalmente podem pertencer ao mesmo gênero, mesmo que não partilhem nenhum traço de semelhança, desde que estejam ligados através de uma série de membros intermediários (cf. Wilhelm 1996: 16[23] ). Assim, o pertencimento de um texto a um gênero em uma dada língua não é definido por um inventário fechado de determinadas características essenciais, o que não permitiria reconhecer as filiações entre os textos. O romance, por exemplo, não deve ser definido a partir de um elenco fixo de características fundamentais. A história do romance está aberta: é possível que no futuro que dois textos considerados romances não partilhem as características típicas do romance e sejam apesar disso considerados romances (1996: 15). Do ponto de vista diacrônico, os gêneros não podem ser reduzidos a um núcleo essencial (1996: 14[24] ). Um texto pertence a um gênero na medida em que está inserido em uma série histórica de textos que partilham características semelhantes. Trata-se, nessa perspectiva histórica, de considerar os gêneros a partir do conceito de semelhança familiar (em alemão, Familienähnlichkeit) proposto por Wittgenstein (1996) (cf. Wilhelm 1996: 15; Castilho da Costa 2005: 13).

O conceito de semelhança familiar proposto por Wittgenstein (1952/2009) está ligado a uma concepção de significado determinado pelo uso[25] e inserido em uma perspectiva de linguagem que nega o essencialismo: Wittgenstein nega a noção de que é necessário haver algo comum a todas as instâncias de um conceito que explique por que elas caem sob esse conceito (cf. Glock 1998: 324). O filósofo alemão considera o essencialismo como uma busca equivocada pela generalidade. Podemos usar uma palavra para fazer referência a diversos objetos, mas isso não significa que tais objetos tenham um traço comum essencial.

Aqui nos deparamos com a grande questão que está por trás de todas estas considerações. - É que alguém poderia retorquir: “Você facilita muito a coisa! Você fala de todos os jogos de linguagem possíveis, mas não disse, em nenhum lugar, o que é a essência do jogo da linguagem e, portanto, da linguagem. Você se dá de presente, portanto, exatamente a parte da investigação que, a seu tempo, lhe deu as maiores dores de cabeça, a saber: a parte que diz respeito à forma geral da proposição e da linguagem.

E isto é verdadeiro. - Ao invés de indicar algo que seja comum a tudo o que chamamos linguagem, digo que não há uma coisa sequer que seja comum a estas manifestações, motivo pelo qual empregamos a mesma palavra para todas, - mas são aparentadas entre si de muitas maneiras diferentes. […]. (Wittgenstein 1952/2009, § 65, p. 51)

Como exemplo, o autor cita os diferentes tipos de jogos. Cada jogo tem suas especificidades quanto às regras e às especificidades. Não há um algo comum essencial a todos os jogos – diz Wittgenstein-, mas traços semelhantes entre eles que aparecem e desaparecem:

E o resultado desta observação é: vemos uma complicada rede de semelhanças que se sobrepõem umas às outras e se entrecruzam. Semelhanças em grande e em pequena escala.

Não posso caracterizar melhor essas semelhanças do que por meio das palavras “semelhanças familiares”; pois assim se sobrepõem e se entrecruzam as várias semelhanças que existem entre os membros de uma família: estatura, traços fisionômicos, cor dos olhos, andar, temperamento, etc., etc., - E eu direi: os “jogos” formam uma família. (Wittgenstein 1952/2009, § 66-67, p. 52).

Coseriu aponta desde cedo em sua obra essa relação de semelhança familiar entre os textos.[26] Consequência da visão de gênero como identidade diacrônica é a noção de que, assim como não se pode definir a língua portuguesa, também não se pode definir o romance, a tragédia etc. como gêneros, isto é, não existe uma classe de textos sem variantes. Tanto as línguas históricas quanto as tradições de textos são fatos históricos que devem ser estudados em seu desenvolvimento histórico como famílias de textos.

Para Coseriu (2007: 254-255), uma das tarefas da lingüística do texto é a distinção de gêneros textuais, um conceito necessário à análise e interpretação da inabarcável multiplicidade de textos concretos. O romanista romeno vê as línguas históricas e os gêneros literários como indivíduos que se desenvolvem paralela e independentemente:

La distinción metodológica entre el enfoque sincrónico y diacrónico que Ferdinand de Saussure postuló com tanto empeño para la descripción de las lenguas tiene su correlato en el análisis y descripción de los textos : igual que en las lenguas, también en los textos se encuentran elementos comunes que descansan sobre la continuidad histórica; y al igual una lengua, también un texto puede estudiar-se históricamente […] Y al igual que las lenguas , también los textos pueden agrupar-se genealógicamente en famílias de textos e investigar-se históricamente. […] Desde un punto de vista histórico, las famílias de lenguas y las famílias de textos son nuevamente indivíduos, del mismo modo que una família propriamente dicha, por ejemplo, los Habsburgo, debe tomarse históricamente como un indivíduo. […] Por esto no puede haber una teoría “científica” de los géneros literarios, sino sólo una historia de los géneros literarios. Un género literario puede transformarse, em un determinado momento, em algo completamente distinto de lo que era inicialmente: pueden haberse mantenido algunos rasgos, pero no necesariamente los determinantes para el género em cuestión. Lo que realmente importa para la história de los géneros es cómo se han desarrollado unos rasgos a partir de outros, de qué modo, por ejemplo, un determinado texto há se convertido em modelo para textos posteriores que, sin enbargo, no se han limitado a la imitación del texto original, sino que han hecho de él algo diferente. Baste recordar en este sentido la evolución del género novela picaresca: las últimas obras que em la historia de este género se han producido tienen muy pocos rasgos em común com las producidas em sus comienzos. (Coseriu 2007: 257-258).

A análise histórica dos gêneros e de suas formas textuais pode ser o fundamento para uma análise diferenciada dos processos lingüístico-históricos (cf. Wilhelm 1996: 16). A premissa para esse tipo de análise é um modelo de história dos gêneros, que permita a representação dos gêneros como famílias de textos, como complexos de regras em princípio independentes das línguas particulares. Quando separamos os aspectos estritamente relativos às TD daqueles que dizem respeito às línguas particulares, é possível utilizar a história do gênero como um instrumentário que permite esclarecer como as mudanças externas influenciam as mudanças dos gêneros.

2.2.4 Processos de formação de TD

O processo pelo qual determinados moldes textuais modificam-se, dando origem a novas formações, é apresentado por Koch, apoiando-se nos conceitos de “semelhança famíliar” (em alemão, Familienähnlichkeit) de F. Wittgenstein e de prototipicidade adotado da psicologia cognitiva (cf. Koch 1997: 59-60), apresentados acima. Nessa perspectiva, parte-se do princípio de que não existem formas sem variantes e de que todo modelo textual é composto por uma classe de variantes com aspectos formais semelhantes. Do ponto de vista diacrônico, uma determinada variante poderá impor-se em relação a outras variantes. Nesse sentido, é possível esclarecer como ao final de uma filiação pode existir um modelo textual totalmente diferente da filiação inicial, sem que deixe de existir uma continuidade histórica. Quer dizer, é possível constatar uma identidade diacrônica dos esquemas textuais, apesar da variação:

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Fig 5: variantes de gêneros textuais segundo Peter Koch (1997: 60)

Afirma Koch que novas TD surgem como soluções por meio do “afrouxamento” do já existente (“durch Lockerung des Bestehenden”, 1997: 62), mas as inovações não se distanciam demasiadamente do “estado de equilíbrio guardado”[27]. Em outras palavras: apesar de toda inovação, as novas tradições não surgem ex nihilo, mas têm de se ligar a algo já dado.

A constatação de que tradições culturais nunca surgem ex nihilo implica que sempre algo anterior, antigo, tradicional é levado adiante. Por outro lado, cabe observar uma questão fundamental: sendo o tradicional perpetrado, como surge, ao mesmo tempo, o novo e inovador?

Koch (1997: 66-69) apresenta uma síntese dos processos de transformação de TD a partir das idéias de Wilhelm (1996: 250-273 e 298).

Um típico processo da inovação de tradições culturais é a diferenciação de tradições, que se pode representar do seguinte modo:

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Fig. 6: Diferenciação de tradições culturais segundo Koch (1997)

Com a ilustração abaixo, Koch representa a evolução textual relatada por Wilhelm (1996) de um processo de diferenciação. Deve-se entendê-la da seguinte maneira: depois da invenção revolucionária da impressão de livros, surgem os primeiros panfletos como nova forma de produto (na Itália a partir de 1471). Apesar de se realizarem em meio inovador e, portanto, apresentarem um processo de recepção também inovativo, os primeiros panfletos apóiam-se em tradições discursivas já existentes anteriormente. Na primeira metade de do século XVI destacam-se aqui principalmente a “historia” (em oitava[28] ) e o “avviso” (em prosa): do ponto de vista da TD, a historia nada mais é que uma mudança funcional da cantare, que se caracteriza como uma balada[29] declamada de memória. A partir de sua impressão e comercialização, a historia tornou-se uma fonte adicional de lucro para aqueles que as cantavam nas praças. Já o avviso apareceu da impressão de cartas de notícias que eram escritas a mão (copia di una lettera). As duas tradições discursivas desenvolvem no período a seguir vida própria. O gênero “notícia de jornal” tem sua origem na impressão de cartas e de relatos enviados por correspondência. Nessa medida, o gênero avviso corresponde a um pai primordial da notícia (cf. Wilhelm 1996: 250-260).

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Fig. 7: Tradições discursivas em panfletos italianos 1500-1550 (segundo Wilhelm 1996)[30]

A partir das cartas escritas a mão e das cartas impressas surgem os gêneros jornalísticos ˗ uma filiação que levou à notícia de jornal (cf. fig. 8). Essa filiação da notícia de jornal à carta permaneceu, durante muito tempo, perceptível na construção textual da notícia de jornal, conforme comprova Koch. Assim, por exemplo, o jornal “Vossische Zeitung” ainda no ano de 1914 informa sobre o assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro Franz Ferdinand e sua esposa em Sarajevo de maneira absolutamente narrativa. O cerne dessa notícia aparece ao seu fim, obedecendo à ordem natural dos acontecimentos[31].

(9) Saraievo, 28 de junho (telegrama de nosso correspondente). Quando o arquiduque e sucessor do trono Franz Ferdinand e sua esposa, a duquesa de Hohenberg, dirigiam-se à prefeitura hoje de manhã para a recepção no local, foi arremessada uma bomba contra o automóvel dos duques. Entretanto, a bomba explodiu quando o automóvel do sucessor do trono já havia passado. No carro que o seguia foram feridos, consideravelmente, o major conde Boos-Waldeck, da chancelaria militar do sucessor do trono, e o tenente-geral Merizzi, ajudante pessoal do chefe de estado da Bósnia. Seis pessoas do público foram gravemente feridas. A bomba tinha sido atirada por um tipógrafo de nome Cabrinowitsch. O autor do crime foi preso imediatamente. Depois da festiva recepção na prefeitura, o casal sucessor do trono prosseguiu com o circuito turístico pela cidade. Perto do edifício do governo, um ginasial da 8a. série de nome Princip aus Grabow disparou vários tiros contra o herdeiro do trono. O duque foi atingido na face, a duquesa no abdômen. Os dois faleceram em virtude dos ferimentos pouco depois de levados ao palácio do governo. Também o autor do segundo atentado foi preso. A multidão amargurada quase linchou os dois criminosos

Vossische Zeitung, 29 de junho de 1914 apud Koch 1997: 64

Como diz Koch, tal construção textual não é adequada às necessidades econômicas e comunicativas da mídia impressa. Primeiramente, o jornal necessita de uma forma de apresentação da informação que desperte no leitor potencial a necessidade de mais informações e com isso exerça um apelo comercial. Além disso, o princípio jornalístico de construção do texto favorece o posicionamento inicial das informações mais relevantes do texto. Desse modo, a notícia de jornal pode ser encurtada de trás para frente, dado que as informações principais estão no início do texto. Finalmente, a recepção ocorre por um leitor seletivo: ele deve decidir o que realmente quer ler. Por isso, já há algum tempo cristalizou-se o princípio do lead nas hard news: as informações mais importantes aparecem, contrariando a ordem natural, logo ao início do texto, na manchete e no subtítulo, depois, no parágrafo de lead e, então, no corpo do texto (body) são desdobradas. O conservadorismo da notícia de jornal sucumbiu às condições de produção, venda e recepção (cf. Koch, 1997: 65).

Em nossos dados, essa construção textual que obedece à ordem cronológica dos acontecimentos pode ser também reconhecida em notícias do corte de 1901, como a notícia que segue, que pode ser dividida em uma organização de narrativa dramática em situação inicial (estar a lavar roupa), complicação (agressão por parte de Antonio), (re)ação (intervenção do marido), nova complicação (nova agressão de Antonio), (re)ação (a arma caiu), solução (Antonio fugiu) e desenlace (Anninha apresentou queixa):

(10) - Anninha de Oliveira Rosa estava| a lavar roupa no morro da Penha,| quando della se approximou um indi-|viduo, de nome Antonio, que lhe vi-|brou, de surpreza, varias cacetadas,| deixando-a machucada.|

Intervindo o seu marido Bertolino| Pereira de Lima foi tambem aggredi-|do por Antonio, que tentou dar-lhe um| tiro de revólver, o que não fez por| ter a arma caido ao chão.| Antonio fu-|giu e Anninha apresentou queixa á po-|licia.|

O Estado de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1901.

Na seguinte notícia, extraída do jornal A Província de São Paulo de 1875, encontramos um desenvolvimento temático semelhante: o texto é desenvolvido de modo narrativo, com a progressão dos eventos na ordem natural dos acontecimentos: primeiramente somos informados de que quatro homens, tidos como valentões, promoveram uma algazarra em Araras (complicação). Em seguida, o povo planeja a prisão dos criminosos (reação). O delegado impede o confronto (solução) e os criminosos fogem sãos e salvos (desenlace):

(11) Communicam-nos o seguinte facto, occorrido nas Araras:

A´ 1ª do corrente um fulano Motta, rezidente na Limeira, em companhia de 3 individuos de Santa Rita do Passa-Quatro, alli conhecidos como desordeirose valentões, reunidos em uma taberna (nas Araras) organizaram terrível algazarra, provocando aos que passavam, insultando e desafiando as auctoridades, formulando ameaças, e dando tiros a esmo.

Algumas pessoas do povo, em falta de força policial, reuniram-se e armaram-se no intuito de os prender, não conseguindo isto porque o subdelegado de policia julgou razoavelmente opportuno intervir e aconselhar aos populares que não travassem a inevitavel luta, da qual com certeza resultaria derramamento de sangue.

Livres de qualquer reação directa, retiraram-se a salvo os malfeitores, quando julgaram bom dar por fiado aquella festa inaugural de novo anno.

Não há força policial nas Araras,a não querer-se contar como tal 3 rapazotes que por junto constituem o destacamento de policía local. Convém notar que este município conta para mais de 5 mil almas.

A Província de São Paulo, 8 de janeiro de 1875

A diferenciação de tradições culturais pode ser uma diferenciação dentro da diferenciação. Mas “culturas são em seu surgimento sempre sincréticas, quer dizer, elas vivem mais da difusão e da recombinação que da criação original” (Bühl, 1986: 124ss.)[32]. Nessa medida, a diferenciação de tradições culturais caminha, passo a passo, com o processo de mistura de tradições, que é apresentado por Koch:

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Fig. 8: Mistura de tradições culturais segundo Koch (1997)

Um exemplo desse processo de mistura de TD citado por Koch (1997: 68) é o dos municípios italianos (comuni[33]) no norte e no centro da Itália no século XIII. Com a organização de municípios, propaga-se a necessidade de discursos políticos públicos. Segundo Koch, não se conservara nenhuma tradição para esse tipo de discurso. Em função disso, uma nova forma textual, a arenga, surge. Nela observa-se a mistura de diferentes tradições discursivas. Assim, determinadas regras do dictamen, isto é, das cartas oficiais, foram transpostas para a arenga, tais como as formas de tratamento e a construção textual, porque tanto a carta oficial quanto o discurso público partilhavam algumas semelhanças, principalmente em relação à expressão de distância comunicativa e à realização fônica. No entanto, a construção textual (salutatioexordioumnarratiopetitioconclusio) mostrou-se rígida demais para a nova TD. Desse modo, a arenga orientou-se pela única tradição pública consolidada (ainda que não fosse política): a prédica, organizada em invocatio, Amen e um exordium com citação bíblica. Além disso, havia elementos possivelmente provenientes de uma forma do discurso popular praticada anteriormente a essa época: pedido de atenção (no lugar de salutatio), topos curto, afirmação solene de incapacidade, elogio dos ouvintes (commendatio).

Outra possibilidade de inovação é a evolução análoga de tradições culturais claramente diferentes (Koch 1997: 68). Esse processo da convergência pode ser assim representado:

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Fig. 9: Convergência de tradições culturais segundo Koch (1997)

O autor explica que no campo das tradições culturais em geral, podem ser citados exemplos das mídias de massa. A privatização da televisão, por exemplo, fez do índice de audiência a medida de todas as coisas. Com isso, tipos de programas completamente diferentes caminham na direção da convergência. Assim, é cada vez mais difícil separar os programas de notícias dos programas de entretenimento. Até mesmo jornais e revistas movem-se em direção ao info - tainment[34].

Outro exemplo característico desse processo, segundo Koch (cf. 1997: 69) é o seguinte: no início da Alta Idade Média, a difusão da escrita retrocedeu bastante. Nas chancelarias dos reis e dos papas e bispos havia ainda raros especialistas em escrita, em cujas mãos encontrava-se a responsabilidade de formular cartas e documentos. Assim, não é de se admirar que essas duas TD tenham claramente convergido nessa época. Tanto o formulário de documentos como o formulário de cartas oficiais indicam paralelos pragmáticos significativos, acima de tudo, são atos de fala extensos rigidamente organizados em torno de um núcleo pragmático (dispositio e petitio) (cf. Koch 1987). Aqui se verifica apenas convergência, mas não identidade. As duas TD diferenciam-se em alguns aspectos, por exemplo, com relação aos atos de fala realizados (dispositio vs petitio) e com relação a estruturas internas de organização do texto (por exemplo, corroboratio, subscriptiones pertencem somente aos documentos).

2.2.5 A queda das tradições culturais

Novas tradições culturais surgem como resposta a novos desafios culturais, econômicos, técnicos e comunicativos. Conseqüentemente, cabe questionar como tradições culturais desaparecem. Quando determinadas tradições não correspondem mais às exigências culturais, podem se tornar disfuncionais e terem seu uso reduzido ou abandonado.

No campo do vestuário, pode ser mencionado o que ocorreu na Alemanha na década de 60. Nesse período, surgiu um tipo de camisa feita de nyltest[35]. Essas camisas se mostraram disfuncionais por causa do material que não deixava a pele respirar e levava à transpiração. Na década seguinte, esse tipo de material foi completamente descartado.

Um exemplo de queda de tradição discursiva consiste nos panfletos italianos do século XVI. A historia (em oitava) era a tradição discursiva predominante observada inicialmente nos panfletos italianos. Como o verso passa a ser reavaliado nessa época como uma forma puramente literária, a historia torna-se disfuncional para a transmissão de notícias reais, como se esperava dos panfletos. A partir dos anos 30 e 40, essa TD afasta-se cada vez mais de outras tradições, em especial do avviso em prosa, cuja orientação prática e popular foi reforçada.

2.2.6 O contínuo de proximidade e distância comunicativas

Em uma série de artigos (1985, 1990, 1994, 1996), Koch & Oesterreicher desenvolvem a teoria da proximidade e distância comunicativas e relacionam os conceitos de proximidade e distância aos conceitos de oralidade e escrita.

Koch (1997) propõe que se considere o aspecto medial (meio fônico vs. meio gráfico) e o aspecto da concepção discursiva[36] (proximidade comunicativa vs. distância comunicativa) na diferenciação entre escrita e oralidade. Em relação ao meio, tal diferenciação pode ser bem delimitada, o que não ocorre em relação à concepção discursiva. Concepções discursivas escritas ou orais representam os extremos de um contínuo. Os dois aspectos são relevantes no que toca às TD. Assim, pode-se dizer que toda tradição discursiva tem um perfil medial: por exemplo, o small talk (fônico), o texto de lei (gráfico), a palestra científica (fixada graficamente, realizada fonicamente). Obviamente, toda tradição discursiva possui um perfil de concepção discursiva, quer dizer, pode-se identificar seu espaço no continuum de proximidade e distância comunicativas, que em princípio é independente de seu perfil medial. À concepção discursiva oral correspondem, por exemplo, uma conversa com amigos ou um telefonema privado, enquanto uma lei e/ou um artigo de jornal correspondem à concepção discursiva escrita. Com relação a determinados gêneros textuais e TD pode haver uma sobreposição de meio e concepção discursiva. Assim, uma carta privada corresponde à concepção discursiva oral em meio escrito. De semelhante modo, uma palestra científica corresponde à concepção discursiva escrita em meio oral.

Segundo Koch & Oesterreicher (1990: 8) cabe considerar que todas as instâncias e fatores da situação de comunicação (enunciador, co-enunciador, discurso, código, contexto, etc) estão ligados a possibilidades de variação. Essa variação resulta em uma escala de condições de comunicação em que se baseia a concepção discursiva de oralidade e de escrita. Koch & Oesterreicher sugerem as seguintes condições de comunicação na caracterização da concepção discursiva:

a) o grau de publicidade (em alemão, “der Grad der Öffentlichkeit”): para essa condição de comunicação, é necessário considerar o número de co-enunciadors: se se trata de uma conversa a dois ou de comunicação em massa, por exemplo, e também se há a existência e o tamanho do público.
b) o grau de intimidade entre enunciador e co-enunciador (“der Grad der Vertrautheit der Partner”): A familiaridade com que se tratam enunciador e co-enunciador depende das experiências comunicativas que eles têm em comum, do conhecimento partilhado e da escala de institucionalização a que a situação comunicação está atracada.
c) o grau de emocionalidade (“der Grad der emotionalen Beteiligung”): pode se dirigir a parceiros da comunicação (afetividade) ou a objetos (expressividade).
d) o grau de dependência do contexto situacional (“der Grad der Situations- und Handlungseinbindung“) dos atos de comunicação.
e) o ponto de referência da situação de comunicação (“der Referenzbezug”). Do ponto de referência (o origo) dependerá a caracterizaçao de pessoas ou objetos como próximos ou distantes. O conceito de origo foi postulado por Bühler (1934 = 1982: 102), que caracteriza o origo como o ponto de partida do sistema de coordenadas (em alemão, Koordinatensystem), que orienta o estabelecimento da relação entre os elementos do contexto e a enunciação. Esse ponto de referência é dado pelo falante (o ego-hic-nunc da enunciação).
f) a proximidade física entre os parceiros da comunicação (“die physische Nähe der Kommunikationspartner”): no caso da situação de comunicação canônica (face-to-face) temos proximidade física. No caso da comunicação por carta, configura-se distância física e temporal.
g) o grau de cooperação (“der Grad der Kooperation”): pode ser medido segundo as possibilidades que o co-enunciador tem de influenciar diretamente a produção do discurso.
h) o grau de dialogicidade (“der Grad der Dialogizität”): Em primeira linha, é decisivo saber qual é a possibilidade e a freqüência de se tomar o papel de enunciador na comunicação.
i) o grau de espontaneidade da comunicação (“der Grad der Spontaneität)
j) o grau de fixação temática (“der Grad der Themenfixierung”)

Com exceção do parâmetro relativo à proximidade física, todos esses parâmetros têm uma natureza gradual. Para cada forma de comunicação existem combinações de condições concretas de comunicação. Koch & Oesterreicher (1990: 9) caracterizam a carta pessoal prototípica, por exemplo, com os seguintes parâmetros:

a) esfera privada
b) familiaridade entre enunciador e co-enunciador
c) alta emocionalidade
d) dependência contextual restrita
e) referência ao origo apresenta limitações
f) distância física
g) sem possibilidades de cooperação durante a produção
h) dialogicidade rigidamente regrada (troca de correspondência)
i) espontaneidade relativa
j) desenvolvimento temático livre

Ligadas aos conceitos de concepção discursiva oral e escrita estão duas características fundamentais de situações de comunicação: a proximidade e a distância comunicativas. Segundo a teoria proposta por Koch & Oesterreicher (1990), todas as características das TD podem ser relacionadas à proximidade e à distância comunicativas entre parceiros na interação. Os conceitos de proximidade e distância comunicativas também fazem parte de um continuum e podem ser determinados através de parâmetros como esfera pública vs. esfera privada, grau de conhecimento entre os interactantes, emocionalidade, dialogicidade, espontaneidade, entre outros (Koch & Oesterreicher 1985:15; 1990:12).

Oesterreicher (1997: 21-24) afirma que a Sociolingüística, a Análise da Conversação e a Lingüística Textual tentam provar há tempos que o grau de elaboração lingüística e formalidade e a escolha das variedades lingüísticas (diatópicas, dialetais, diastráticas ou socioletais, diafásicas) estão correlacionadas a determinadas situações de comunicação e suas respectivas necessidades. No estudo da problemática escrita/oralidade, verificou-se que as condições de produção de enunciados levam a estratégias e formas de verbalização históricas e discursivo-tradicionais que determinam os discursos concretos e neles se manifestam. Os seguintes parâmetros correspondem a tais tipos de condições de produção. Se tais parâmetros forem considerados, será possível definir perfis de variação comunicativa, seu significado para a variação lingüística e a variedade de TD:

a) Caráter privado da comunicação
b) familiaridade/intimidade dos interlocutores, maior conhecimento partilhado
c) forte participação emocional
d) inserção do discurso no contexto situacional
e) referencialização direta (origo, ego-hic-nunc)
f) proximidade espacial e temporal entre os interlocutores (comunicação face a face)
g) intensa cooperação
h) dialogicidade
i) espontaneidade
j) pluralidade temática

a') caráter público da comunicação
b') ausência de intimidade ou de familiaridade, menor conhecimento partilhado
c') falta de participação emocional
d') não inserção do discurso no contexto situacional
e') referencialização indireta
f') distância espacial e temporal entre os interlocutores
g') baixa cooperação
h') monologicidade
i') reflexão
j') fixação temática

Tabela 6: parâmetros de proximidade e de distância comunicativa

Oesterreicher (1997) e Koch (1997) entendem a combinação dos parâmetros (a) a (j) no contexto da proximidade comunicativa, ao passo que os parâmetros (a’) a (j’) pertencem à distância comunicativa. Entre esses dois pólos extremos existem várias gradações. Trata-se, portanto, de um contínuo entre proximidade e distância, no qual diferentes formas de comunicação e TD misturam-se e dão origem a concepções comunicativas específicas. Enquanto uma conversa entre amigos em um café é uma forma prototípica de proximidade comunicativa, um decreto sobre o esgoto é exemplo de distância comunicativa de extrema escrituralidade[37].

Oesterreicher (1997) propõe que, assim como as condições de produção do discurso, as TD podem ser caracterizadas em relação a níveis de proximidade e distância comunicativas. Em diferentes combinações de condições de produção são usadas diferentes exigências em relação ao uso de diferentes tipos de contexto, à elaboração e formalidade, bem como em relação à informatividade e clareza dos discursos. A realização de discursos em um determinado meio (fônico ou gráfico) é conseqüência dessas condições de produção. A utilização do meio escrito mostra sua ligação, principalmente, com as condições de produção (d’), (e’), (h’), (g’), (i’).

Esse autor defende a idéia de que a análise e a descrição da ligação entre variedades lingüísticas, TD e determinados tipos de situação de comunicação pressupõem o contínuo conceitual entre proximidade e distância. E exatamente as TD fazem a ligação entre os tipos de parâmetros formais e as formas de expressão e as variedades lingüísticas. Por um lado, as TD determinam a escolha das formas lingüísticas e variedades. Por outro lado, as características lingüísticas são diretamente típicas de determinadas TD.

Segundo o esquema abaixo, elaborado por Koch & Oesterreicher (1990: 12), podemos situar a evolução de diferentes TD entre proximidade e distância. Como bem expõe Kabatek (2004b:2-3), tal esquema pode, porém, levar a alguns enganos:

1. Poderia fazer pensar que TD são formas estáveis, com posição fixa entre dois pólos de realização.
2. As TD parecem aqui separadas e sem contato mútuo.
3. Além disso, poder-se-ia pensar que existe uma continuidade das TD e que as TD estão dadas desde sempre.

[...]


[1] cf. Blühdorn & Castilho da Costa 1999: 275.

[2] cf. Wilhelm 2006: 198

[3] Wilhelm (1996: 2) afirma que os panfletos do século XVI representavam um recorte do espectro de gêneros da época.

[4] cf. Dahmen et alii 2006: VII.

[5] cf. Luckmann 1997: 15-16; Adamzik 2001: 28; Klein (1991: 246).

[6] […] todos os processos comunicativos que exercem influência sobre a existência e mudança de uma sociedade. Ela (a economia comunicativa) comporta categorias/gêneros como também processos comunicativos espontâneos que se tornaram significativos, formas de comunicação verbais e não verbais. Ela estrutura-se segundo situações, instituições e meios. A economia comunicativa consiste, portanto, no coração do que se denomina “cultura”.

[7] Osthus (2006: 261) afirma que se os gêneros textuais da imprensa brasileira antiga fossem apresentados em uma continuidade histórica, haveria uma ligação entre as formas correntes de comunicação pública na Europa e formas orais conhecidas no Brasil tais como discursos oficiais e sermões.

[8] Kabatek usa o neologismo “escrituralidad” como equivalente em espanhol do termo alemão “Schriftlichkeit”, que marca a distinção entre escrita (meio de expressão) da escrituralidade (concepção).

[9] “Mi concepción de la lingüística del texto está expuesta desde el año 1957 em un artículo escrito em español: “Derterminación y entorno. Dos problemas de una lingüística del hablar”. […] Mi punto de partida entonces lo constituían las propriedades generales y siempre presentes del lenguaje: el lenguaje es una actividad humana universal que, por una parte, es realizada em situaciones concretas por hablantes individuales, pero em la que, por outra parte, cada indivíduo sigue normas históricas previas procedentes de tradiciones comunitarias”. (Coseriu 2007: 85-86).

[10] Bühler (1934=1982: 102) caracteriza a origo como o ponto de partida do sistema de coordenadas (em alemão, Koordinatensystem), que orienta o estabelecimento da relação entre os elementos do contexto e a enunciação (Castilho da Costa 1999: 20).

[11] A utilização de mais de um código em um mesmo texto também pode ser verificada no fenômeno de code-switching.

[12] Brigitte Schlieben-Lange (1983) desenvolve a teoria dos universos discursivos. Segundo essa teoria, há uma tipificação de discursos antes mesmo de uma tipificação de textos: “Diskursuniversen sind sozusagen Typen von Texttypen. Sie sind die, je historischen, Prinzipien der Gestaltung von Textbereichen. Dies betrifft die Gestaltung der Art des Redens über die Wirklichkeit und mithin die durch dieses Reden in den Texten konstituierten Welten” (1983:146) (Tradução livre da autora: Universos discursivos são, por assim dizer, tipos de tipos de textos. Eles são os princípios históricos do molde de campos textuais. Isso toca à formação do modo de falar sobre a realidade e aos mundos construídos em textos através desse falar). Schlieben-Lange parte do princípio de que os quatro seguintes universos de discurso podem ser diferenciados: Poesia (Dichtung), Ciência (Wissenschaft), Religião (Religion), Direito (Normen, Recht). Para Aschenberg (2002:163), a Teoria dos Universos do Discurso tem de levar a uma diferenciação maior para sua aplicação empírica. Segundo Aschenberg, o amplo campo dos gêneros textuais da comunicação cotidiana, por exemplo, não é abordado por Schlieben-Lange. Contudo, a meu ver Aschenberg não considera a ligação que Schlieben-Lange dos universos discursivos com a organização da sociedade. Schlieben-Lange (1983: 147) afirma que a diferenciação dos universos de discurso em novos universos de discurso é condicionada pela crescente complexidade da sociedade.

[13] No original: “Ich halte es also für unerläßlich, Coserius Modell auf der historischen Ebene zu doppeln. Neben oder besser gesagt: quer zu den einzelsprachlichen Traditionen bzw. Normen sind hier Texttraditionen oder ­ wie ich es nenne­ die Diskurstraditionen bzw. Diskursnormen anzusetzen“.

[14] Como proposto por Travaglia (1997: 67), consideraremos discurso toda atividade comunicativa de um locutor, numa situação de comunicação determinada, englobando não só o conjunto de enunciados por ele produzidos em tal situação – ou os seus e os de seu interlocutor, no caso do diálogo – como também o evento de sua enunciação. O texto será entendido como uma unidade lingüística concreta que é tomada pelos usuários de uma língua em uma situação de interação comunicativa especifica como uma unidade de sentido. Coseriu entende que o discurso é uma atividade (energeia), enquanto o texto é um produto (ergon).

[15] Aschenberg (2003:5) apresenta a seguinte definição de TD: “Diskursnormen resp. –traditionen bezeichnen historisch konventionalisierte Techniken, Regeln’ [...] oder ‚Muster’ [...] der Textproduktion, sie erzeugen textuelle Gleichförmigkeiten, die den Einzeltext als einer – metaphorisch gesprochen – historischen ‚Reihe’ zugehörig erkennbar werden lassen“. Tradução livre da autora: Normas discursivas, respectivamente TD, denominam técnicas, regras [...] ou modelos de produção textual convencionalizados historicamente [...], elas produzem uniformidades textuais, que permitem reconhecer o exemplar textual, em uma linguagem metafórica, como uma “série” histórica.

[16] Esse aspecto será abordado adiante na análise das notícias.

[17] Concordamos com Kabatek (2005c: 37), que entende que falta, ainda, uma distinção terminológica entre as diferentes formas de TD. O termo é um hiperônimo para todas as tradições lingüísticas da segunda historicidade (a historicidade do texto).

[18] Der Bereich der Diskurstradition kann als ein Geflecht von historischen Diskursnormen unterschiedlichen Abstraktionsgrades und unterschiedlicher Komplexität verstanden warden, von den Diskursuniversen bis zu den einzelnen Sprechakten (Wilhelm 1995: 13). Tradução livre da autora: O campo da tradição discursiva pode ser entendido como uma disputa entre normas discursivas históricas de diferentes graus de abstração e de diferentes complexidades, desde os universos discursivos até os atos de fala individuais.

[19] Jeder Diskurs steht aber auch in bestimmten historischen Traditionen: einerseits in der Tradition einer gegebenen Einzelsprache (oder Sprachvarietät), andererseits in einer bestimmten Diskurstradition. Letzterer Terminus besagt, daß jeder Diskurs Exemplar irgendeiner Gattung, Textsorte oder Gesprächsform ist, Merkmale einer bestimmten Stilrichtung aufweist, zum Vollzug bestimmter historischer geprägter Sprechakte dient usw”.

[20] “[…] historisch gewachsene und konventionell geltende Muster für wiederkehrende komplexe sprachliche Handlungen und lassen sich als jeweils typische Verbindungen von kontextuellen (situativen), kommunikativ-funktionalen und strukturellen (grammatischen und thematischen) Merkmalen beschreiben. (Brinker 1997:132)

[21] Textsorten können somit nicht allein synchronisch-funktional bestimmt werden. Sie konstituieren sich geradezu in der Wechselwirkung von Funktion und Tradition”. Em outro trabalho, Wilhelm (2003: 231) afirma que a forma lingüística de um texto só pode ser adequadamente descrita na relação entre função (por exemplo, popular vs. culto, etc.) e tradição (o pertencimento a uma tradição discursiva).

[22] cf. Castilho da Costa (2010).

[23] “Es gibt jedoch den Fall – oder könnte ihn in der Zukunft geben -, dass zwei Texte kein Novellen-Merkmal miteinander teilen, aber gleichwohl beide Novelle heißen. Somit könnten sie als einander indirekt ähnlich betrachtet werden, d. h. sie wären durch eine Reihe von Zwischengliedern miteinander verbunden” (Wilhelm 1996: 15-16).

[24] “Eine Gattung kann sich durchaus aus einem Kommunikationstyp, dem sie in einem bestimmten Moment ihrer Geschichte angehört, “herausentwickeln”. In diachronischer Sicht lassen sich Gattungen keineswegs auf einen “unabdingbaren Kern” oder auf “essentielle” Gattungsmerkmale reduzieren”.

[25] Glock (1998: 359) sobre a concepção de significado para Wittgenstein: “O significado de um signo não é um corpo de significado, uma entidade que determina o seu uso. Um signo não adquire significado por estar associado a um objeto, mas sim por ter um uso governado por regras. Se é ou não dotado de significado é algo que depende da existência de um uso estabelecido, da possibilidade de ele ser empregado na realidade, em atos lingüísticos dotados de significado; e o significado que possui depende de como ele pode ser usado”.

[26] “ Y al igual que las lenguas, también los textos pueden agruparse genealógicamente en famílias de textos e investigarse históricamente ” (2007: 257).

[27] Em alemão, “Gleichgewichtzustand”. Koch (1997: 62) utiliza esse conceito em referência a Bühl (1986: 139).

[28] Oitava é a estrofe com oito versos.

[29] No original, “Bänkellied”, notícias cantadas nas praças.

[30] Tradução minha. No original, “Briefroman”: coleção de cartas ficcionais com um enredo.

[31] Tradução livre do trecho: “Sarajewo, 28. Juni. (Telegramm unseres Korrespondenten). Als der Erzherzog-Thronfolger Franz Ferdinand und seine Gattin, die Herzogin von Hohenberg, sich heute Vormittag zum Empfang in das hiesige Rathaus begaben, wurde gegen das erzherzogliche Automobil eine Bombe geschleudert, die jedoch explodierte, als das Automobil des Thronfolgers die Stelle bereits passiert hatte. In dem darauffolgenden Wagen wurde der Major Graf Boos-Waldeck von der Militärkanzlei des Thronfolgers und Oberstleutnant Merizzi, der Personaladjutant des Landeshauptmanns von Bosnien, erheblich verwundert. Sechs Personen aus dem Publikum wurden schwer verletzt. Die Bombe war von einem Typographen namens Cabrinowitsch geschleudert worden. Der Täter wurde sofort verhaftet. Nach dem festlichen Empfang im Rathause setzte das Thronfolgerpaar die Rundfahrt durch die Straßen der Stadt fort. Unweitdes Regierungsgebäudes schoß ein Gymnasiast der achten Klasse (Primaner) namens Princip aus Grabow aus einem Browning mehrere Schüsse gegen das Thronfolgerpaar ab. Der Erzherzog wurde im Gesicht, die Herzogin im Unterleib getroffen. Beide verschieden, kurz nachdem sie in den Regierungskonak gebracht worden waren, an den erlittenen Wunden. Auch der zweite Attentäter wurde verhaftet. Die erbitterte Menge hat die beiden Attentäter nahezu gelyncht“.

[32] No original: “[...]sie leben mehr aus der Diffusion und der Rekombination als aus der originären Schöpfung”.

[33] Battistelli (2003: 20) explica que comuni são formas de organização equivalentes a municípios.

[34] Combining information with entertainment, is a fairly recent neologism for a television program, Web site feature, or other presentation that combines information with entertainment.

http://whatis.techtarget.com/definition/0,,sid9_gci538342,00.html

[35] Nyltest é um tipo de náilon utilizado na Alemanha na década de 60.

[36] Seguindo Marcuschi (Da fala para a escrita. Atividades de retextualização. São Paulo: Cortez: 2003), utilizo o termo “concepção discursiva” como equivalente do original “Konzeption” no alemão.

[37] Seguindo Kabatek, utilizo o termo que marca a distinção entre escrita (meio de expressão) da escrituralidade (concepção).

Excerpt out of 272 pages

Details

Title
Tradições discursivas em jornais paulistas de 1854 a 1901: Gêneros entre a história da língua e a história dos textos
College
University of Sao Paulo; Department of philosophy  (Letras e Ciências Humanas)
Course
Língua Portuguesa e Filologia
Author
Year
2010
Pages
272
Catalog Number
V167293
ISBN (eBook)
9783640837953
ISBN (Book)
9783640838585
File size
10481 KB
Language
Portuguese
Notes
Pesquisa de Pós-Doutorado desenvolvida na Área de Filologia e Língua Portuguesa da USP e financiada pela FAPESP de 2007 a 2010 (Processo FAPESP 05/55152-3).
Keywords
tradições discursivas, gêneros textuais, jornais paulistas
Quote paper
Alessandra Castilho da Costa (Author), 2010, Tradições discursivas em jornais paulistas de 1854 a 1901: Gêneros entre a história da língua e a história dos textos, Munich, GRIN Verlag, https://www.grin.com/document/167293

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